Minha Vida, Hipercolesterolemia e Família

This is an authorized translated repost of My Life. My FH. My Family.

Minha Vida, Hipercolesterolemia e Família

Como cada membro da minha família lida com a Hipercolesterolemia. Um post especial em comemoração ao mês da conscientização da Hipercolesterolemia Familiar (HF).

Eu nunca fui a menininha da mamãe como a minha irmã. Porém existem dois momentos da minha vida onde eu e mamãe tivemos uma conexão mais forte do que qualquer outra coisa. Mais forte do que qualquer outro laço que já construí com outras pessoas.

O primeiro eu não lembro mas deve ser o dia em que nasci. O momento em que ela me teve nos braços, sendo seu primeiro bebê deve ter sido muito especial. E foi especial para mim também, tenho certeza, ao ver pela primeira vez o rosto da mulher da qual chutei o estômago por meses.

O segundo foi quando minha Hipercolesterolemia Familiar (HF) foi diagnosticada inicialmente. Minha mãe foi a pessoa que estava testando meu sangue e tentando medir o nível de colesterol pela primeira vez na minha vida. Trabalhando como bioquímica em um hospital era o trabalho dela testar os níveis de colesterol. Eu disse que ela “tentava medir o nível do meu colesterol” porque ela não pôde medir imediatamente. A máquina estava calibrada para medições de até 5 mg/dl de colesterol. O meu estava muito acima disso e a máquina respondia com erro, significava que estava acima do que poderia medir.

Ela precisou usar alguns truques de química, com diluições, para calcular matematicamente o nível de colesterol. Assim minha primeira medição (734 mg/dl) foi calculada indiretamente ao invés de uma medição direta pela máquina. Essa foi a matemática da mamãe.

Naquele tempo eles não chamavam minha condição de Hipercolesterolemia Familiar Homozigótica (HFHo), ou ao menos meus pais não estavam chamando assim. Eles chamavam de “uma forma muito severa de HF”. Em 1983 eles acreditavam que meu caso era apenas 1 a cada milhão de indivíduos. Imagine: seu primeiro bebê possui essa enfermidade rara, ele é um em um milhão no planeta e através de suas mãos e conhecimento você é uma das pessoas a atestar tal condição?! Esse deve ter sido o segundo momento especial para minha mãe e eu.

Como já é sabido se você encontrar um paciente com HF então você encontrou uma família inteira como nós. Nós já sabíamos que meu pai possuía HF. O colesterol dele sempre esteve muito acima de 300 mas abaixo de 400. Meu avô paterno possuía níveis próximos a 300, ele teve seu primeiro derrame cerebral aos 48 e outro aos 50 anos de idade que o deixou paralisado e acamado por 12 anos, veio a falecer aos 62 anos.

Minha avó materna (a única que minha mãe conhecia muito bem e ainda estava viva quando eu nasci) possuía colesterol baixo então minha mãe nunca realizou o teste pra si. Ela sempre acreditou que papai era o único na família com colesterol alto e que ele e o vovô havia passado para mim. Não era de se acreditar que a “forma muito severa de HF” da qual eu fui diagnosticada poderia ter vindo de ambos.

Quando mamãe começou a envelhecer passou a realizar os exames, foi mais uma curiosidade do que por uma necessidade, sempre esteve elevado e ela sempre acreditou ser resultado da má dieta ao longo dos anos. Na Romênia a comida feita em casa é muito rica em fritura, maionese e carne vermelha. Até que foi diagnosticada com HFHo (esse ano, aos 42) e então ficou claro que ambos meus pais possuíam HF. Agora ela acredita pois já encontra lipomas na pele a medida que envelhece, também já foi diagnosticada com pressão arterial alta, doença cardiovascular e insuficiência cardíaca.

Meus laços de família não param nos meus pais. Minha tia, irmã do meu pai, também sempre teve colesterol alto, entre 300 e 400. Ao longo dos anos ela implantou múltiplos stents nas artérias periféricas e há um mês sofreu um acidente vascular cerebral isquêmico. Ela também sofre de fibrilação atrial, taquicardia e arritmia – consequências das doenças arteriais devido aos altos níveis de colesterol. Ela tem 67 anos de idade. O primeiro stent foi posto aos 50.

Minha irmã foi formalmente diagnosticada com HF há 2 anos atrás. Como seus níveis não são astronomicamente altos como os meus, ela também atribuia o problema a sua má alimentação, porém ela tem uma das vidas mais saudáveis que tenho conhecimento. Ela quase não toma medicação, come de forma saudável, pratica corrida de rua e vive em uma grande cidade. Ela não dirige e portanto faz baldeação todos os dias – ela precisa utilizar vários transportes públicos além de caminhar. Ainda assim seu colesterol é mais alto do que o normal (entre 200 e 250). Demorou algum tempo para ela acreditar que seu alto nível de colesterol se devia a HF e não ao frango que ocasionalmente comia.

Este ano, seu filho mais jovem, com 6 anos, foi diagnosticado com “HF limítrofe”, seu LDL está em 170 mg/dl – um pouco alto para qualquer um mas especialmente para uma criança dessa idade com uma dieta muito saudável.

E essa é a minha real família com HF .. até onde sabemos. Até agora, minhas avós e meu sobrinho mais velho são os únicos parentes de sangue que não foram afetados.

É interessante notar como cada indivíduo decide como viver e como lidar no dia-a-dia com tal condição. Existe o componente da vontade própria na maneira como você lida com qualquer doença e aprendi ao longo dos anos que isso só diz respeito à você e não é para ser julgado, mesmo que você não entenda completamente. Ou especialmente quando você não entende completamente.

Eu tenho vivido minha vida com muitas consultas médicas no meu calendário. Eu sempre quis saber o máximo que é possível saber e quanto dano o colesterol já causou nas minhas artérias. Eu sei meus níveis de colesterol, os números do meu coração e quando chega o momento da próxima investigação. Eu realizo ecocardiograma e ultrassom das carótidas todo ano e tenho cardiologista marcado a cada 3 meses. Como eu sempre soube da doença pude planejar uma cirurgia cardíaca que limpou parte das artérias obstruídas aos 42 anos de idade, sem sombra de dúvidas estendeu minha vida por muitos anos.

Sem conhecer meus níveis de colesterol e os danos já causados, ou sem a monitoração do coração e circulação periférica, ou sem a medicação para manter o colesterol baixo (ainda assim alto para todos os padrões) pelos últimos 20 anos eu tenho quase certeza de que não teria chegado aos 42 anos de vida.

Eu também decidi muito cedo não ter filhos. Não vejo propósito algum em propagar essa doença comprometendo um ser humano inocente a levar a vida que tenho. Tem sido uma boa vida mas esse é o meu julgamento. Outros podem enxergar como um fardo e não quero dar um fardo de vida para ninguém, conscientemente. Termina em mim.

Minha irmã escolheu ter filhos, eu a considero muito corajosa. Ela está há alguns dias em estado de negação porque ainda acredita na dieta e nos exercícios físicos. Está descobrindo da maneira mais difícil a verdade. Agora ela toma medicação, não tão religiosamente como deveria – ela não tolera estatinas tão bem como eu. Se alimenta saudavelmente, não está acima do peso, é muito ativa e vai ao cardiologista a cada 6 meses. Definitivamente ela está trabalhando para entender o próprio corpo e a vigiar sua condição de perto.

Minha tia só decidiu tomar alguma atitude depois do agravamento da doença. Antes do derrame e de colocar os stents ela não usava estatinas ou medicação para o coração, agora ela está medicada para tratar as complicações mas não para manter o colesterol controlado, não segue dieta e está acima do peso.

E então, meus pais. Os dois possuem lipomas visíveis causados pela HF. Apresentam pressão arterial elevada e doença cardiovascular. Meu pai possui quase nenhuma circulação sanguínea em uma das pernas e apenas 50% na outra, suspeita-se que tenha tido pequenos derrames por volta dos 50 anos de idade mas que não deixou sequela visível, não temos certeza. Minha mãe toma estatinas e Zetia ocasionalmente. Os dois usam medicação para o coração. Os níveis de colesterol de ambos estão constantemente em torno de 350 e a pressão arterial está quase sempre alta.

Meus pais não acreditam em dietas ou exercícios físicos, eles acham que mesmo assim teriam níveis de colesterol elevados. Eles estão corretos, isso me deixa triste, porque o sobrepeso e a dieta rica em gorduras colocam ainda mais stress nos seus corações e cérebros já fatigados. Eles nem mesmo vão ao médico regularmente mas somente quando algo está muito errado.

Meus pais estão muito velhos e possuem um pensamento muito balcânico onde acreditam que todos nós devemos a morte a Deus e que cedo ou tarde morreremos. Eles não veem razão para adiar a morte, ao menos a morte por essa doença. Também não acreditam em ‘qualidade de vida’ – a qualidade de vida deles é miserável agora mas ‘a vida é para ser dura’ e ‘é esperado que você fique doente na velhice’. Eles são sexagenários agora e viveram doentes com as complicações do alto colesterol pela maior parte da vida adulta, acreditam que depois dos 50 anos você já está velho e não é esperado vida saudável de qualquer maneira, sendo assim não tem motivo para se medicar. Só se medicam quando já é muito tarde e somente para tratar os sintomas da doença e não para prevenir danos.

Ainda não sabemos como meu pequeno sobrinho vai lidar com isso mas eu e minha irmã estamos tentando ser bons exemplos para ele. Até agora, sua mãe, minha irmã, está monitorando seus números e dieta. Ele é muito jovem para usar estatinas ainda e seus níveis de colesterol ainda são limítrofes. No futuro ele deverá cuidar de si e possivelmente dos seus filhos também.

Como podem ver todos nós escolhemos uma forma muito diferente de lidar com a doença. Você pode fazer algo ou nada mas os efeitos da HF são praticamente os mesmos. Ao menos agora a HF é bem conhecida e pode ser administrada com medicação, ou como no meu caso, com cirurgia, mas você precisa querer se tratar.

Eu uso a minha própria estória para ensinar aos outros sobre HF, compartilhar minha jornada, o que se deve esperar e as doses de esperança. Toda minha família entende muito bem esta jornada mas existe uma diferença entre saber e agir. Eles me ensinaram que devemos compartilhar nossas experiências livremente sem esperar nada em troca. Contudo por mais perto que algumas pessoas estejam do seu coração você poderá nunca convencê-las a ver o que você vê, isso é plausível.

Eu aprecio cada um deles por compartilhar comigo suas jornadas, me sinto menos sozinha. Também sou muito grata por terem me dado essa doença – isso me fez quem eu sou hoje e sou feliz e grata por ter me ensinado tanto sobre meu corpo, nossa saúde e como não tomar por certo o próximo suspiro e batida de coração.

E por coincidência existe ainda outro laço com minha mãe: O mês de conscientização da HF é setembro, é quando ela nasceu. Feliz aniversário mamãe e feliz dia da conscientização para todos vocês. Aprendi que estando consciente dos riscos, números e progresso da doença voçê pode assegurar seu lugar aqui conosco por muitos anos além dos prognósticos originais. Caso tenha descoberto essa enfermidade agora eu espero que encontre seus familiares que podem ser portadores, também espero que aprenda a gerenciar essa doença na idade mais avançada.

Que seus caminhos sejam de aventura e te leve à uma vida saudável de muitos anos. Se ainda procura por mais informações sobre HF dê uma olhada a seção ‘Helpful Links’, ou me envie uma mensagem. Ficarei feliz em compartilhar mais informações.

A. W.

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